Considerada um “hotspot” de queda de árvores na cidade de São Paulo, a região central concentra a maior proporção desse tipo de ocorrência em toda a capital. Entre os principais fatores associados ao problema e que podem ser usados como preditores estão o estado da madeira, o estrangulamento da raiz pelas calçadas e as podas drásticas.
Esse resultado é parte de uma pesquisa recém-publicada na revista científica Urban Forestry & Urban Greening. Usou como base os dados de 456 árvores que caíram na área sob jurisdição da Administração Regional da Sé. Compreende oito bairros – Sé, República, Bom Retiro, Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade e Cambuci – que estão entre os mais antigos e verticalizados da capital.
Por ano, os pesquisadores indicam que o município registra cerca de 2 mil quedas de árvores urbanas – excluindo parques públicos e áreas de proteção ambiental. Somente durante as chuvas que atingiram a região metropolitana nos dias 8 e 9 de janeiro, em que os ventos chegaram a 94 km/h em algumas áreas, o Corpo de Bombeiros recebeu cerca de 250 chamados por ocorrências desse tipo. Em novembro de 2023, mais de 2 milhões de moradores ficaram sem luz, alguns por dias, após o rompimento de fiação provocado pelo mesmo problema.
Com base nos fatores de previsão, os cientistas traçaram diretrizes e papéis de diferentes atores para reduzir o impacto da queda de árvores, principalmente de tronco e de raízes, com o dobro de probabilidade de danos à cidade e aos cidadãos, podendo até provocar a morte de pessoas atingidas.
Sugerem que as autoridades locais façam uma avaliação detalhada do estado da madeira das árvores em toda a capital, enquanto o município e as empresas privadas responsáveis por sua gestão devem adotar práticas adequadas de poda. Todos os envolvidos no plantio – cidadãos, empresas privadas e governo – também precisam garantir espaço suficiente nas calçadas para o crescimento da raiz.
“Como a região central tem características muito semelhantes às de outros distritos na capital, entendemos que os resultados da pesquisa podem ser aplicados na cidade toda. Para outros municípios, dependerá da qualidade dos dados disponíveis. Acredito que só conseguiremos resolver o problema da queda de árvores em São Paulo se houver um trabalho conjunto entre academia, governo e setor privado”, diz à Agência FAPESP o professor Giuliano Locosselli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP).
Autor correspondente do artigo, Locosselli recebe apoio da FAPESP (projetos 19/08783-0 e 20/09251-0) para pesquisar formas de otimizar os serviços ecossistêmicos das florestas urbanas visando mitigar os efeitos das mudanças climáticas e da poluição. Esses serviços, que compõem as soluções baseadas na natureza, incluem desde sequestro de carbono até a redução da temperatura e da poluição do ar.
“Tendo árvores saudáveis e com um bom manejo é possível diminuir custos na saúde, por exemplo, com os vários benefícios que as áreas verdes fornecem. As diretrizes que apontamos no estudo auxiliam muito o plano de arborização de São Paulo, que é bom, mas percebemos que há falta de braço para todo o trabalho. É preciso cuidar do manejo adequado, que começa no plantio, escolhendo a espécie, definindo o tamanho do canteiro onde vai ser plantada, fazendo a poda corretamente”, complementa a professora na área de fisiologia vegetal Aline Andréia Cavalari, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), primeira autora do trabalho.
Cavalari se refere ao Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU), lançado em 2020 para melhorar o manejo e criar um sistema de gestão participativa das árvores em São Paulo. Com prazo de duas décadas e revisão a cada cinco anos, o plano tem 170 ações previstas, entre elas um inventário arbóreo.
Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da prefeitura, 42 ações do plano estão em andamento. “A execução das diretrizes destacadas na pesquisa está sendo efetuada mediante o desenvolvimento de novos procedimentos dentro da implementação das ações previstas no PMAU, com a adaptação dos fluxos rotineiros de vistoria e avaliação das árvores. O estudo foi realizado no âmbito do convênio com a Unifesp, o que demonstra a preocupação da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente com o tema e o esforço em utilizar a fundamentação científica como diretriz na tomada de decisões”, complementa o órgão público em nota.
Desafio
Locosselli reconhece o desafio de manejar as mais de 650 mil árvores em São Paulo e destaca que já há um conhecimento acumulado sobre os indivíduos arbóreos, o manejo e as técnicas de manutenção. “O que falta agora é uma visão holística sobre a arborização da cidade como um todo, com um plano de manejo que permita melhoria, monitoramento e acompanhamento continuado para ter uma arborização verde e saudável, produzindo o máximo de serviços ecossistêmicos e reduzindo ao mínimo os prejuízos com as quedas de árvore. O importante das pesquisas é trazer diretrizes holísticas que contribuam com esse avanço”, afirma.
O grupo do qual o pesquisador faz parte publicou outros dois estudos entre 2021 e 2022 sobre a arborização em São Paulo. Um deles aponta que a altura dos prédios no entorno, a idade do bairro e a altura da árvore são os fatores que mais influenciam e aumentam o risco de queda. Para isso, foram analisados 26.616 registros nos 96 distritos da capital durante oito anos. Entre 2013 e 2021, a cidade perdeu cerca de 4% das 652 mil árvores existentes na área urbana (leia mais em: agencia.fapesp.br/39341).
O outro trabalho mostrou evidências de que as quedas de árvores em estações secas estão ligadas à falta de manejo e de condições adequadas para a sobrevivência da vegetação de rua (leia mais em: agencia.fapesp.br/36067).
Prever a queda de uma árvore, especialmente as urbanas, é um desafio no mundo todo, pois depende de múltiplos fatores, incluindo o clima, as condições da própria vegetação e as características no entorno. Em cânions urbanos, onde o aumento da velocidade do vento resulta em zonas de baixa pressão ao redor dos edifícios, a estabilidade das árvores fica em risco.
Critérios
A base de informações da pesquisa incluiu dados coletados por agrônomos nos oito bairros da regional da Sé, entre janeiro de 2016 e novembro de 2018, sob a coordenação da própria prefeitura. Há informações sobre data da queda, características do local, espécie de árvore, tipo de falha, estado da madeira, condição do colo da raiz, conflitos com a linha aérea e sinais de poda.
São 59 espécies, das quais 38 tiveram até quatro ocorrências e 21 com cinco ou mais. Os pesquisadores explicam que não chegaram a fazer uma divisão por espécie porque só dispunham do número absoluto, sem levantamento que permitisse uma avaliação proporcional. Ligustro (Ligustrum lucidum), tipuana (Tipuana tipu) e ficus (Ficus benjamina) são os tipos mais comuns na cidade.
Dos 456 casos analisados, 46% correspondem à queda de galhos e ramificações, 33% da raiz e 21% do tronco. As quedas de galhos contrastam com estudos anteriores, onde predominavam problemas em troncos e raiz. No entanto, os pesquisadores apontam que isso pode estar ligado ao fato de que só recentemente esse item passou a ser considerado como um problema potencial.
Fazendo um cruzamento dos dados com o uso de inteligência artificial, o grupo chegou aos três fatores preditivos – estado da madeira, constrições do colo da raiz e poda.
Para o estado da madeira, foram levados em consideração: decomposição por fungos; presença de insetos que se alimentam de madeira (xilófagos), como broca e cupins; além de cavidades no tronco. A partir daí, as árvores foram divididas em saudável; baixa degradação (sinais precoces de decomposição, como descoloração ou mudança de cor) e alta degradação (sinais avançados de deterioração e alterações na textura e estrutura, com cavidades significativas).
Em relação ao colo da raiz a avaliação incluiu possíveis estrangulamentos decorrentes de solo compactado, do pavimento e de caixas, normalmente de cimento, levantadas em volta da árvore. Já para as podas foram analisadas quatro tipos – elevação (usada para dar espaço aos pedestres), redução (que diminui a altura da árvore), forma de V (para aumentar a distância entre galhos e cabos de energia) e topping (redução significativa do número de ramos grossos), sendo essas duas últimas consideradas as mais drásticas.
A maioria das árvores que perderam galhos não apresentava sinais claros de degradação da madeira, enquanto mais de 40% dos “indivíduos arbóreos” sujeitos a problemas do tronco ou da raiz apresentavam sinais de baixa ou alta degradação. Cerca de 14% dos eventos de queda da raiz e 11% de tronco tiveram sinais de constrição.
Trabalho conjunto
A pesquisa foi desenvolvida em colaboração entre USP, Unifesp, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e Prefeitura de São Paulo. “É muito importante trabalhar de forma propositiva para resolver essa questão. É preciso identificar os atores, os problemas e atuarmos juntos – academia, governo e profissionais da linha de frente. Mais do que definir diretrizes de gestão, os resultados do estudo pressionam autoridades, empresas privadas e cidadãos a mudar uma cultura de práticas prejudiciais que colocam em risco os benefícios das árvores da cidade”, avalia Locosselli.
Neste sentido, Cavalari destaca o curso de especialização em arborização urbana criado na Unifesp em parceria com a prefeitura para inicialmente capacitar funcionários da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo.
Hoje, em sua quinta turma, conta com integrantes de empresas terceirizadas, prestadoras de serviço e servidores de outros municípios. “O projeto vem gerando bons frutos. Prefeituras têm feito levantamento de dados, e a academia vem compilando e trazendo estudos com resultados que levam a uma arborização melhor.”
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