Dosar os níveis sanguíneos de um aminoácido chamado homocisteína pode ajudar a prever o risco de uma pessoa desenvolver apneia obstrutiva do sono – condição caracterizada por interrupções recorrentes da respiração causadas pelo relaxamento da musculatura da garganta quando se dorme. Esse simples exame de sangue pode ainda ajudar o médico a predizer o risco de agravamento do distúrbio em pacientes já acometidos pela forma leve ou moderada.
A conclusão é de um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto do Sono e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio da Fapesp. Os dados foram divulgados em abril no European Archives of Oto-Rhino-Laryngology.
“Ainda não sabemos se é a apneia que causa a elevação da homocisteína no sangue ou se é o nível aumentado desse aminoácido que agrava a apneia. Nossa hipótese é que seja uma correlação bidirecional”, explica Monica Levy Andersen, professora da Unifesp e coordenadora da pesquisa. “Seria interessante que mais médicos, de todas as especialidades, pedissem esse exame no check-up de pacientes acima de 40 anos. É algo simples e que não onera o SUS [Sistema Único de Saúde]. E os resultados poderiam, no mínimo, fornecer mais informações sobre essa correlação”, defende a autora.
A homocisteína já tem sido uma preocupação para os cardiologistas há um bom tempo, já que há fortes evidências de que níveis elevados da substância – acima de 15 micromol por litro de sangue (µmol/l) – podem causar alterações na parede dos vasos sanguíneos e favorecer o surgimento de doença coronariana, trombose, enfarte e até acidente vascular encefálico (AVE), conhecido também como acidente vascular cerebral (AVC).
“A deficiência de vitaminas do complexo B – particularmente B6, B9 e B12 – predispõe a um quadro de hiper-homocisteinemia. Comer alimentos que contêm esses nutrientes ou mesmo a suplementação pode ser uma estratégia para modular os níveis desse aminoácido no sangue”, informa Vanessa Cavalcante-Silva, pós-doutoranda na Unifesp e primeira autora do artigo.
Epidemiologia do sono
Sob a coordenação do professor da Unifesp Sergio Tufik, vem sendo conduzido há mais de 15 anos o Estudo Epidemiológico do Sono (Episono), cujo objetivo é avaliar a qualidade do sono e a influência dos distúrbios de sono na saúde de uma amostra representativa da população da cidade de São Paulo. Dados do Episono 2007, divulgados pelo grupo em outro estudo, apontam que 42% dos paulistanos roncam três vezes por semana ou mais e quase 33% têm apneia do sono.
Além de brigas familiares instigadas pelo barulho na hora de dormir e de problemas de concentração e memória associados ao déficit de sono, a apneia acelera o envelhecimento celular e aumenta o risco de diversas outras doenças, como hipertensão, diabetes e insuficiência cardíaca (leia mais em: agencia.fapesp.br/41898).
Para investigar a correlação entre esse distúrbio e os níveis sanguíneos de homocisteína, a equipe coordenada por Andersen selecionou uma amostra de voluntários do Episono submetidos à avaliação do chamado índice de apneia e hipopneia (IAH). Medido por meio do exame de polissonografia, esse indicador representa o número de eventos respiratórios (obstrução parcial ou total da respiração) registrados por hora e é um dos parâmetros usados para estratificar a gravidade da doença.
“Até cinco eventos por hora é considerado normal. De cinco a 15, apneia leve; de 15 a 30 já é moderada e, acima de 30, apneia grave”, conta Cavalcante-Silva.
Inicialmente, a equipe analisou o IAH de 854 voluntários que participaram do Episono em 2007. Desses, 54,4% não tinham apneia, 24,4% apresentaram um quadro leve, 12,4% moderado e 8,8% grave. Esses participantes também foram classificados de acordo com os níveis de homocisteína no sangue, sendo considerado normal um valor até 10 µmol/l, moderado de 10 a 15 µmol/l e alto acima de 15 µmol/l.
“Ao cruzar os dados, observamos que os voluntários com valor alto de homocisteína também apresentavam um IAH mais elevado. Aqueles acima de 15 µmol/l tinham um aumento médio do IAH de 7,43 quando comparados com os que tinham níveis abaixo de 10 µmol/l”, conta a pós-doutoranda. A influência de fatores como peso, sexo biológico e idade foi corrigida por meio de métodos estatísticos.
Em uma segunda etapa, foram analisados dados de uma reavaliação feita em 2015 com os mesmos voluntários. Como parte do grupo não pôde participar dessa nova fase do Episono, a amostra dessa segunda fase abrangeu 561 pessoas. O índice dos que não apresentavam apneia havia caído para 29,8%. O de participantes com quadro leve subiu para 31,2%, o de moderado para 19,4% e outros 19,6% foram diagnosticados com apneia grave.
“Nesse caso, o objetivo foi descobrir se a homocisteína seria um fator de risco para o desenvolvimento de apneia. Para isso, excluímos os participantes que já tinham a doença em 2007 e analisamos dados dos que, na época, apresentaram sono normal. Nesse subgrupo, observamos que o aumento unitário (1 µmol/l) nas concentrações de homocisteína em 2007 representou um acréscimo de 0,98% no risco de diagnóstico de apneia em 2015”, conta Cavalcante-Silva.
“É um risco baixo, mas existe. O fato é que apresentamos um fator novo, simples de medir e com aplicabilidade clínica e prática”, comenta Andersen. “Seria agora interessante fazer um estudo com outro formato, no qual os participantes sejam avaliados anualmente, para obtermos dados mais abrangentes.”
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