Mani até pode parecer um cão comum. Dócil, ele não esconde que adora um carinho enquanto repousa nos pés do tutor. Mas, apesar da tranquilidade aparente, basta um sinal para que fique em alerta, à espera da próxima missão.
O vira-lata tem quatro anos e, desde 2020, atua na equipe de peritos da Polícia Científica de São Paulo. O cão faz parte de um projeto pioneiro no Brasil. Ainda com 40 dias de vida, logo depois de ser adotado, começou a ser treinado para detectar sangue humano. A destreza do animal o tornou o primeiro cachorro de biodetecção oficial da Polícia Científica para apoio a exames periciais de crimes contra a vida.
João Henrique de Oliveira Machado, perito criminal de São José dos Campos, encontrou Mani durante um trabalho de campo, no final de 2019. “Estávamos fazendo perícia em um local de crime quando vi ele ali, órfão. A gente já tinha a ideia incubada de montar o projeto, nisso adotei ele e iniciei o protocolo”, lembra.
O vira-lata recebeu o nome que é a abreviação de manioca, que é mandioca em Tupi-Guarani. “A ideia do projeto era essa: mandioca fica escondida e é um alimento que se revela. No projeto, a ideia era revelar um vestígio que estava oculto”, explica.
Parceria com universidade
O protocolo de treinamento para detecção de sangue humano foi desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de São Paulo. A ideia surgiu da necessidade de aprimorar o trabalho de campo das perícias criminais. “A gente tinha dificuldade técnica de fazer localização de pequenas manchas de sangue em cenários muito grandes”, contou o perito criminal.
O cão foi submetido aos treinamentos conforme o protocolo estabelecido inicialmente. “Para fazer com que o Mani conseguisse encontrar amostras num limite de detecção inferior aos nossos reagentes e garantir que ele marque sangue exclusivamente humano foi necessário fazer um aperfeiçoamento muito grande deste protocolo ao longo do tempo”, explicou Machado.
Os treinamentos deram certo. Os resultados apresentados em campo foram positivos, sendo confirmados por todos os exames laboratoriais. Com isso, o animal foi autorizado a integrar a equipe de peritos da Polícia Científica.
Como funciona o trabalho do cão perito?
Mani é acionado quando há uma ocorrência de grande repercussão ou de dificuldade para o trabalho de perícia em campo. O cão fica no Núcleo de Perícias Criminalísticas de São José dos Campos e, para evitar desgastes e cansaço, se desloca até São Paulo quando acionado previamente pela equipe de criminalística.
Ele auxilia na detecção de manchas de sangue em locais amplos, de difícil atuação dos peritos ou dos reagentes químicos, como o luminol, usado pela equipe. Em ambientes limpos e até em roupas lavadas, Mani consegue identificar sangue humano por meio do faro.
O vira-lata tem uma expertise tão grande que consegue detectar vestígios de moléculas de sangue numa diluição de uma parte por trilhão. na prática ele identifica manchas de sangue recentes e antigas.
Com o emprego do cachorro nesse trabalho, há uma redução substancial no tempo utilizado pelos peritos. Mani vasculha todo o perímetro em busca dos vestígios. Ao detectar qualquer sinal de que em determinado espaço pode haver moléculas de sangue, o cão indica ao tutor. Com isso, os peritos reduzem a área de busca e, naquele local específico, aplicam as técnicas específicas para confirmar os indícios.
“O cão não dá a palavra final, ele ajuda no trabalho, identifica, embora nos estudos ele marque sangue humano, o martelo é batido através de um composto de exames que o perito precisa fazer”, explicou Machado. O perito criminal, então, passa a usar os reagentes químicos e dada a interpretação de todos os equipamentos, ele envia a amostra para o laboratório de DNA.
Desde que entrou para o time de peritos, Mani já atuou em pouco mais de 30 ocorrências que geraram laudos. A participação do cão colaborou para o levantamento de vestígios. Até hoje, não houve nenhuma marcação errônea ou de falso-positivo nos locais vasculhados pelo animal.
Recentemente, Mani auxiliou uma equipe do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) numa investigação de homicídio. O inquérito aguarda os laudos periciais.
Cão elucidou cena de crime em Caraguatatuba
Há quase dois anos, o cão perito foi acionado para uma ocorrência em Caraguatatuba. Na época, a polícia tentava desvendar um homicídio de um homem encontrado morto dentro de um veículo.
Os policiais identificaram o último local que a vítima tinha passado, no entanto, o imóvel havia sido limpado e não havia sinais do crime. Mani foi até o local e, em sete minutos, conseguiu marcar as áreas com resíduos de sangue humano.
“A casa era grande e tinha sido totalmente limpa”, contou Machado. Então, isso dificultaria o trabalho de perícia. “Não seria possível usar luminol por todos os cômodos. O cão apontou locais que dificilmente iríamos desconfiar” acrescentou.
Mani achou moléculas de sangue dentro da máquina de lavar roupas e até uma escovinha que foi utilizada para limpar o sangue. “As amostras localizadas com a ajuda do cão deram positivo para o DNA da vítima e a polícia conseguiu encerrar o caso pedindo a prisão do autor”, disse Machado.
No primeiro caso atuando como perito, Mani tinha pouco mais de um ano. O cão fez a varredura de um galpão em São José dos Campos, possível local de execução de um homem.
A área estava limpa, mas em dois minutos, o cachorro indicou o espaço atrás de um móvel, onde havia a perfuração na parede com um projétil, logo depois ele apontou para o chão. “Mani achou a mancha de sangue no local” , completou o tutor. Os investigadores comprovaram o feito com o uso de reagentes químicos.
Vantagens para a Polícia Científica
Além de colaborar com a agilidade do serviço, uma vez que um trabalho com reagentes químicos, dependendo do local, poderia levar quatro ou cinco horas, Mani auxilia também na economia em termos de utilização de luminol.
O uso da substância é comum em espaços reduzidos, porém, em locais amplos ou áreas externas existem dificuldades técnicas, como a necessidade de escuridão total para que o perito visualize a reação. Com a biodetecção, o reagente químico pode ser aplicado apenas na área específica indicada pelo cão.
“A perícia, quando feita no modo tradicional e dependendo do local a ser investigado, demora e é onerosa, pela quantidade de substâncias químicas que temos que usar. O cão consegue direcionar o uso do reagente químico que custa muito caro para a gente. Isso leva a agilidade da perícia e economia de custo”, ressaltou o superintendente da Polícia Técnico-Científica, Claudinei Salomão.
O projeto pioneiro de São Paulo está sendo desenvolvido e aperfeiçoado para o uso de novos cães farejadores de sangue pelo país.
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