Líder comunitário e presidente do G10 Favelas é exemplo de empatia, dedicação e ação social determinante
Quem conhece Gilson Rodrigues hoje, não tem noção de sua trajetória e história de vida. A voz forte que direciona quase um exército de cidadãos é embargada em momentos mais que essenciais e nunca esquecida na vida de muitas famílias em situação vulnerável. Nascido em Itambé, interior da Bahia, ele é um dos 14 filhos de Maria Lúcia Rodrigues, conhecida pelos vizinhos como “A Muda”, por ser surda e muda, e com pai desconhecido. Por conta das dificuldades e condição precária em que a família vivia, apenas Gilson e um irmão permaneceram sob a tutela da genitora, os outros foram entregues à adoção.
Em busca de uma vida melhor, a família se mudou para São Paulo e ele foi morar com uma tia em Paraisópolis, comunidade localizada na zona sul da capital, ao lado do luxuoso bairro do Morumbi. Sempre com o desejo de lutar por causas sociais, entrou para o Grêmio estudantil, porque queria melhorias na escola. Ainda na adolescência, começou a trabalhar com voluntariado quando foi convidado para fazer parte da União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis. Aos 23 anos, assumiu a presidência da Associação e o trabalho comunitário virou parte de sua rotina desde quando participou do grêmio estudantil do colégio e de congressos globais sobre inovação social.
Gilson conta que ainda pequeno ouvia dos vizinhos que os filhos da mudinha, doidinha, eram todos “meio parecidos com ela”. Diziam que criança solta na favela não poderia crescer na vida e se tornaria, provavelmente, um bandido. “Eu lembro até hoje que se tivesse minha mãe ainda viva, esse não seria o desejo dela, pois ela nunca desejaria que os filhos fossem predestinados a uma situação ruim, assim como não era sua vontade entregar os outros filhos para adoção, mas as circunstâncias de vida que a levaram a isso. Tanto que já consegui reunir sete irmãos que foram separados e fui estudar e aprender para ser um exemplo para todos”, conta.
A partir da década de 1950, Paraisópolis passou a receber fluxos de migrantes do interior e de outros estados, que assim como a família de Gilson, mudaram para a grande capital em busca de trabalho, sobretudo na construção civil. Seu crescimento intensificou-se na década de 1990, quando os habitantes de outras favelas, que foram eliminadas, mudaram-se para lá. “Atualmente, Paraisópolis é a segunda maior favela de São Paulo, com cerca de 100 mil habitantes, dos quais 35% são jovens entre 18 e 25 anos que não têm acesso à parques, cinemas ou teatros. O único lazer se restringe aos bailes funks, que já completam sete anos de existência, sempre sujeitos à violência policial.
É justamente nessa comunidade, onde o poder público é quase que totalmente ausente, que incide minha atuação como líder comunitário”, revela. Além de atuar em várias ações sociais, como o Bistrô Mãos de Maria, projetos musicais, cursos profissionalizantes, ensino fundamental e médio, combate ao Covid-19, entre outros, Gilson é presidente do G10 Favelas, uma associação que reúne as 10 maiores favelas brasileiras.
Responsável pelo salto de inovação e crescimento que colocou Paraisópolis como a comunidade mais bem organizada e com diversas iniciativas para diminuição do impacto da pandemia da Covid-19, o visionário tem uma missão: mostrar as favelas como potência e criar soluções para as comunidades, dando visibilidade para o empreendedorismo de impacto social e melhorar a qualidade de vida da população periférica com inovação e criatividade. “Posso dizer que essa é minha metodologia de vida. É o que sempre adotei e incentivei. Por isso, as 12 iniciativas criadas pelo Comitê das Favelas ganharam repercussão mundial como tecnologia social de desenvolvimento que foram replicadas em outros territórios do Brasil. Temos que fazer diferença para sermos notados”, ensina.
Em sua atuação, o líder comunitário recebeu o reconhecimentos e premiações diversos como: Empreendedor Social do Ano 2020 – Folha de São Paulo, na categoria mitigação da Covid-19; Menção Honrosa ao programa de combate à pandemia no Prêmio Alceu Amoroso Lima de Direitos Humanos (2020); Prêmio Cidadão Soteropaulistano 2017; Prêmio Brasil Toastmasters de Comunicação e Liderança 2016; Salva de Prata da Câmara Municipal de São Paulo, que integra o Prêmio Milton Santos (2015); Personalidade Financeira do Ano no 7º Prêmio Relatório Bancário (2011); Comenda e Prêmio Empreendedor Social (2010) – Academia Brasileira de Cultura, Artes e História, entre outros.
Atualmente, Gilson também é CEO do G10 Bank Participações, um banco criado para fornecer crédito a empreendedores da favela para impulsionar a economia e fortalecer comércios e marcas locais. De acordo com ele, a maior dificuldade é a forma de como as pessoas enxergam as favelas. “Sempre nos veem como marginal, violentos e coitadinhos e a forma como somos vistos pode ajudar ou atrapalhar. Desde modo, estamos construindo um novo olhar sobre a favela, mostrando as potências e oportunidades, a força econômica que move 168 bilhões de reais por ano, desta forma aproximando pessoas para ajudar nesse processo de transformação”.
Imagine ajudar meio milhão de pessoas com kits de higiene e cesta básicas. Esse é apenas um dos números extraordinários resultantes das muitas ações do G10 Favelas. “O que mais me deixa orgulhoso e que é o maior legado que vamos deixar passando a pandemia é a organização da comunidade que criou uma grande rede de solidariedade onde a cada 50 casas temos 1 morador voluntário, chamado de Presidente de Rua, que cuida de 50 famílias. A comunidade como agente da sua própria transformação”.
O próximo passo do inquieto Gilson já tem norte: ele quer auxiliar a população a empreender, através da criação de escritórios de negócios que proporcionará cursos, crédito e formação de empresas ajudando a impulsionar a economia das favelas. “Somos um Brasil só. Temos que nos unir para ajudar quem precisa. Não queremos viver num Brasil em que uma parte pode fazer home office e outra passa fome. Não queremos estar divididos por CEP. Se nos unirmos sairemos mais rapidamente dessa crise”, finaliza.